
Desde que me mudei para a Marambaia, faço lanches eventuais na carrocinha de Seu Mário, na esquina da Rodolfo Chermont com a rua que dá acesso ao Conjunto Euclides Figueiredo, bem em frente à entrada principal da praça Dom Alberto Ramos. Apesar de permanecer pouco tempo por lá, entre pedir, esperar, comer e pagar, não pude deixar de perceber a popularidade desse simpático senhor sexagenário, de gestos lentos e fala enrolada. De cada dez pessoas que passam - a pé, de carro, de bicicleta, de moto... - onze o cumprimentam: "Seu Mário!", numa saudação despretensiosa jogada ao espaço, que geralmente nem espera retorno. "Fale, meu amigo!", é a resposta de sempre, com a sua peculiar voz fanhosa.
Na verdade, nunca conversei muito com ele. Entretanto, no último sábado, enquanto aguardava o preparo de meu sanduíche
light, tive a oportunidade de ouvir um relato instigante, provocado por uma cliente que chegara antes de mim. A moça foi embora, mas pedi que ele continuasse com a história.
Seu Mário mora no bairro há 40 anos. (
Quarenta anos?... Meu filho chegou com dois anos... agora tem quarenta e dois... É... Faz quarenta anos que moro aqui...) Naquela época, viver na Marambaia era o mesmo que viver no interior. O transporte para Belém era feito através de lotações, cujo terminal ficava no canto da Rua da Mata. Para chegar lá, só caminhando mesmo.
Uma boa opção de lazer para os habitantes das imediações era ir ao igarapé situado dentro da área da Marinha, onde hoje o acesso é restrito. Nos fins de semana, vinha gente da cidade para fazer piquenique, tomar banho, lavar carros... Era um animado balneário! Inicialmente, colocaram duas tábuas de madeira para os veículos atravessarem o curso d'água. Depois, substituíram-nas por chapas de ferro. (
A gente ia andando a pé aí por dentro, e varava no Bengui... Hoje não pode mais...)
Vinte e cinco anos atrás, após a perda do emprego em uma lanchonete, e o empreendimento frustrado de uma mercearia em sua residência, nosso historiador montou sua primeira carrocinha, e ocupou seu território, de onde não mais saiu. As duas primeiras eram feitas de compensado, e duraram pouco mais de dez anos cada uma. A terceira, e atual, foi construída em aço inox, e "fica comigo até o dia em que eu for embora". Não existia nem Médici I, nem Médici II. O Mendara I é que estava começando. A praça Dom Alberto Ramos era um bosquinho, com árvores frondosas e trilhas por onde passavam os pedestres. Lá dentro, havia um barzinho, no qual se organizavam festas. Na Rodolfo Chermont, apenas três ou quatro casas... todas de radiotelegrafistas dos Correios, cuja função era enviar mensagens para navios, para o exterior... a partir da "sintonia", que funcionava onde hoje é o Conjunto Euclides Figueiredo. Havia antenas altas, que foram retiradas quando o serviço foi desativado no local.
A área do Palco Mix era ocupada pela Estância Tavares Bastos, um bem sucedido comércio de materiais de construção. Todavia, após a morte de seu fundador, o negócio desandou durante a gestão de um de seus filhos, que terminou por se desfazer do imóvel. Uns dizem que se envolveu com jogo... outros, com drogas... Mas nem todos eram maus administradores. A Estância Moju é de outro dos filhos, que soube dar continuidade à vocação de seu pai.
A Rodolfo Chermont era uma rua baixa, pavimentada com asfalto de qualidade precária. (
Asfalto bom mesmo só veio com Edmilson...) O restante da Marambaia era um grande lamaçal.
A concorrência era pouca. Atualmente, o que mais se vê ao longo da avenida são barracas de lanches.
Todo santo dia, Seu Mário transporta sua carrocinha, da residência ao local de trabalho, auxiliado por seus netos. Lá permanece das 17 horas à meia-noite, quando cessa o movimento, retornando então para casa. (
Aqui 'tá ficando perigoso! Outro dia assaltaram um casal bem aí, na hora em que desceram da moto para abrir o portão de casa... Graças a Deus, os bandidos nunca mexeram comigo)
- Seu Mário, posso lhe fotografar e contar essa história na internet?
- Claro... - hesita e altera a expressão repentinamente -
Peraí! Eu vou ter de pagar alguma coisa?!
- Seu Mário, se alguém tem de pagar algo aqui, esse alguém sou eu ao senhor... Não se preocupe!
- Ah, tá! Então pode!Obs.:
Tentei apurar os fatos aqui relatados através de uma pesquisa no google, entretanto nenhuma das respostas me esclareceu nada. As informações acerca da história da Marambaia parecem ser muito escassas (pelo menos na internet). Eu não gostaria de divulgar versões distorcidas ou inverídicas, portanto aceito, ou melhor solicito, colaborações de outras testemunhas oculares da evolução deste bairro.