quarta-feira, 15 de abril de 2009

Os Correios e a Marambaîa

Após a boa repercussão da conversa que tive com Seu Mário, a qual inspirou um projeto, sem prazo de conclusão, de resgate da memória da Marambaîa, pedi a ele que me apresentasse alguns radiotelegrafistas dos Correios – os pioneiros do bairro.

- Tem Seu Campello, tem Seu Paulo, tem Dona Ercília, que é viúva de um radiotelegrafista...
- Qual deles é mais conversador?
- Ah... Seu Campello, com certeza!
- E como faço para falar com ele?
- Ele mora bem aí –
respondeu Seu Mário, apontando para a casa em cuja calçada estaciona diariamente sua carrocinha de lanches – De vez em quando ele fica lendo aí no terraço. Dia de domingo você não o encontra em casa, porque ele vai à Tuna. Acho que faz parte da diretoria.

Poucos dias depois, conheci o Sr. Laurimar Campello, expus-lhe minhas intenções e marcamos um horário para conversar. A informação de Seu Mário não estava errada... O homem passou quase duas horas falando sobre TUDO! E olhem que “tudo”, para um senhor de 75 anos, não é pouca coisa. Como eu não havia planejado a entrevista, e nem tenho preparo específico para isso (como jornalista sou um bom agrônomo...), deixei-me levar pelos seus relatos contagiantes. Começamos, conforme proposto, com a história da Marambaia. Todavia, de maneira muito natural (como são os bons papos informais), o assunto escorregou para trabalho... viagens... educação... filhos (o trabalho e o orgulho que dão aos pais)... netos... bisnetos... mulheres... casamento... separação... crenças... destino... e outros temas filosóficos fundamentais da humanidade. Quando me dei conta, constatei que pouco havíamos conversado sobre o propósito original. Ah! Tenham santa paciência!!! Também não preciso ser tão racional e objetivo! O cara estava empolgado falando sobre a vida dele... eu, hipnotizado ouvindo suas peripécias... Eu ia bem interrompê-lo e pedir que “não fugisse do tema proposto”?!?! Não... Pelo amor de Deus...

Seu Campello se mudou para a Marambaia em 1962, ocupando uma das casas destinadas aos funcionários do então Departamento de Correios e Telégrafos (DCT). Tais residências foram construídas em 1954 (“...ninguém queria vir morar aqui...”), quando se lançou o projeto de transferir a estação de radiotelegrafia – chamada de sintonia – da Almirante Barroso (onde hoje funciona a Agência da Cabanagem) para o bairro da Marambaia. No entanto, essa transferência só veio se concretizar em 1975, com a instalação de dezesseis torres de recepção na área do atual Conjunto Euclides Figueiredo.
Na sintonia dos Correios, eram enviados e recebidos os telegramas de diversas outras estações, como Manaus, São Luís e Brasília. A jornada de trabalho dos radiotelegrafistas era de seis horas, durante as quais cada um (eram seis no total) decodificava cerca de 400 telegramas, através dos pontos e traços de Morse.
A carreira de Seu Campello nos Correios se iniciou em junho de 1945, quando ingressou na instituição, aos 12 anos de idade, como estafeta (entregador de telegramas). Em pouco tempo galgou os cargos de mensageiro e carteiro, até chegar a telegrafista, aos 16 anos. Naquela época, chegou a dar aulas sobre o assunto, na Escola Amélia Fonseca, na Pedreira. Como havia uma grande demanda por esse tipo de profissional, e o horário de trabalho permitia, Seu Campello fez vários bicos, trabalhando para a Empresa de Navegação da Amazônia (ENASA, que era proprietária da área vendida “a preço de banana” para a construção dos Conjuntos Médici), para a Varig/Cruzeiro, onde fazia a comunicação das listas de passageiros dos voos, e para o jornal A Província do Pará, no qual era encarregado de receber as mensagens da agência de notícias ITT, sediada no Rio de Janeiro, que fazia suas transmissões diariamente, das 18:30 às 21 horas.
Com início das atividades da estação de radiotelegrafia, a pressão habitacional sobre a área dos Correios se intensificou. Entre a rua da Mata e a da Marinha, todo aquele apetitoso vazio populacional de 1600 m x 3000 m pertencia à instituição. Qualquer um que erguesse um barraco e nele atasse uma rede era removido do local e recebia um lote de cinco por vinte metros fora do perímetro de risco. Tal prática se tornou um grande negócio, tanto para os invasores (“...depois viemos saber que alguns deles possuíam até vilas em outros bairros...”), quanto para os funcionários dos Correios responsáveis pela distribuição dos lotes (que recebiam muitos “favores”, nem sempre financeiros, especialmente quando os invasores eram invasoras, em troca de uma boa localização). Nota-se que palavras como alinhamento e noventa graus não faziam parte do vocabulário dos urbanistas de ocasião, resultando no mosaico desordenado que é hoje o nosso bairro.
No final da década de 1970, a Marambaia – à direita de quem chega pela Rodolfo Chermont, vindo da Tavares Bastos – era uma grande invasão. Campos de futebol, como o do Brasilândia (na área do atual supermercado Ponto Certo) e o do São Joaquim (próximo à Marinha) foram vorazmente sufocados por um amontoado de casas distribuídas de maneira caótica ao longo de passagens estreitas e tortuosas.
Pouco tempo depois da transferência da sintonia dos Correios, a empresa passou por mudanças profundas, com a sua desvinculação da estrutura do poder executivo federal, e a criação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT). [Segundo o site dos Correios, isso aconteceu em 1969, mas eu é que não vou duvidar do relato de meu historiador!] Em 1979, a estação foi desativada. Naquele mesmo ano, o que restava da área deu lugar ao Conjunto Euclides Figueiredo, assim batizado em homenagem ao pai do então Presidente da República.
Em 1980, com 35 anos de serviços prestados, Seu Campello se aposentou dos Correios. Incansável, após uma breve temporada trabalhando para a Andrade Gutierrez em Carajás, foi aprovado no concurso da Marinha e fundou o curso de Oficial de Radiocomunicação, no Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar (CIABA), onde formou dez turmas, até o ano 2000, com o encerramento das atividades. A tecnologia que ele dominou com maestria durante cinco décadas havia se tornado obsoleta. “Hoje qualquer celular faz muito mais do que eu fazia...”

6 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Seu Campelo não me é estranho. Acho que ele tinha mais para contar. Deve estar escondendo o jogo para um eventual remake, he he he...
Valeu o resgate.

Belenâmbulo disse...

Prezado Frederico,
Seu Campello estava muito mais empolgado em me contar sua biografia, recheada de episódios impublicáveis (quem você acha que era o "funcionário responsável pela distribuição dos lotes"?). Em respeito à sua esposa, filhas, netos e bisnetos, destilei somente o que se referia ao tema proposto.
Ele ficou de me arrumar algumas fotos antigas, quando as encontrasse em meio à sua bagunça desorganizada. Vamos ver... Nada aqui tem prazo para conclusão...

Abraço

Yúdice Andrade disse...

Naturalmente, eu precisava vir aqui apoiar mais um lance do nosso projeto. Torço para encontrar algum morador antigo, mas talvez só em julho possa me dar ao trabalho de pensar numa entrevista.
Felizmente, posso contar contigo para ir revelando um pouco mais sobre o passado do nosso bairro.

Belenâmbulo disse...

Prezado Yúdice,
Agradeço pelo apoio e aguardo suas contribuições.

Abraço

Gerardo "Von" disse...

Olá amigos!
Meu nome é Gerardo e com muito orgulho digo que o professor Laurimar, mais conhecido como LQ (Lima Quebec no linguajar das comunicações), foi meu mestre quando estudei no CIABA, no período de 1981 a 1983. Naquele tempo fiz o curso de Radiocomunicação, junto com outros 33 colegas de diversos estados do Brasil, onde aprendemos a arte da radiotelegrafia. Ele era o bicho no CW (abreviatura para o código Morse), sabia tudo mesmo.
Ao sair do CIABA, era oficial de radiocomunicação e trabalhava em navios da Fronape. Hoje, com a evolução da tecnolgia, tive que me reciclar e agora sou Capitão de Cabotagem e trabalho numa plataforma de petróleo da BR, no Rio de Janeiro.
Apesar de trabalhar no Rio, continuo morando em Belém, no cj. Médici 2 da Marambaia, há 20 anos. Convivo regularmente com o mestre Laurimar e semanalmente nos falamos na Tuna Luso, de onde somos sócios e frequentadores. Na Tuna, fazemos parte da Confraria da Sauna, onde nos reunimos todo sábado para botar o papo em dia.
Parabéns pela matéria!
gerardo.monteiro@gmail.com

Anônimo disse...

Moro na marambaia e fazendo um dever da escola com minha filha sobre a rua Rodolfo Chermont, acabei lendo esse depoimento e me encantei. Ela estuda na escola adventista de correios e nunca tinha entendido o porque deste nome, agora que entendi fiquei encantada em conhecer um pouco da história de nosso bairro. Parabéns pela iniciativa. danimdteo@gmail.com.