domingo, 16 de agosto de 2009

Turismo a pé

Quem me acompanha no Twitter deve ter visto que hoje de manhã eu saí disposto a fazer um turismo a pé por Belém. A ideia foi inspirada nos recentes Guias de Passeios (Publifolha), que trazem roteiros detalhados para conhecer, em pequenas ou médias caminhadas, os pontos mais interessantes de cidades como Londres, Nova Iorque, Paris e Roma.
Pensei: "se esses vilarejos têm, por que Belém não pode ter também?"
Some-se a isso o meu fascínio por caminhadas, e temos mais um Grande Tema da Humanidade a ser explorado pelo Belenâmbulo.
O primeiro trajeto seria a Rodovia Augusto Montenegro, que não tem muitos pontos turísticos conhecidos, mas que me passa a impressão de guardar preciosidades ocultas para quem só trafega de carro. E esse é justamente um de meus propósitos: descobrir as atrações do lado B de nossa cidade, e compartilhá-las com vocês. Então, fui até o Conjunto Costa e Silva, próximo ao Entroncamento, e de lá saí caminhando em direção a Icoaraci, num percurso previsto para três horas, no máximo. Seria perfeito... já estava salivando com o peixe que comeria no almoço!
Uma sacolinha nas costas - carregando apenas meio litro d'água, o celular e as chaves de casa e do carro - e a inseparável câmera na mão... segui alegre e satisfeito em direção ao poente, ouvindo mentalmente a "Estrada de Canindé", belíssima canção de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, que louva os prazeres de se andar a pé.

...vai 'oiando' coisa a 'grané', coisas que 'prá mode vê', o cristão tem que andar a pé...


Menos de uma hora depois, quase em frente ao Mangueirão, fui abordado pelos mototaxistas de um dos vários pontos espalhados pela rodovia.
- Conselho de amigo: não ande com essa câmera na mão... você vai ser roubado!

Guardei a câmera na sacolinha.
- Melhor mesmo seria se você pudesse colocar essa sacolinha por baixo da camisa... Tem muita invasão aí pra frente... muito malandro... Tá indo pra onde?
- Icoaraci.
- A pé?
- Sim.
- É longe.
- Eu sei.
- Ei, olhem só! O cara tá indo pra Icoaraci a pé, levando uma câmera digital na mochila!
- ahuahuahuahuahuah!!! Vai ser assaltado!!!
- riram em coro os motoqueiros do ponto.

Mais de uma vez fui alertado por meus comentaristas sobre o risco a que me expunha ao fotografar em certos locais. Por outro lado, também sei que frequentemente nossos medos são infundados, influenciados pelo terrorismo da mídia ou por puro preconceito. Graças a essa suposta coragem, já tive grandes alegrias, como recompensas por ter prosseguido quando muitos me sugeriram desistir.
Entretanto, dessa vez o conselho vinha de alguém que realmente conhecia a área. Mototaxistas estão lá todo dia, vendo as coisas acontecerem. Além disso, eles tiveram o trabalho de correr atrás de mim para me avisar.
Embora contrariado, optei pela prudência. Atravessei a pista cabisbaixo (fora da faixa e da passarela... eu já tava puto mesmo!), esperei por um ônibus enquanto me esquivava do assédio das vans (eu não vou sustentar a ilegalidade), e retornei ao ponto de partida, a bordo de um Tapanã-F. Patroni.

É revoltante abortar um plano por medo de gente!!! Ainda se fosse um trecho montanhoso, ou animais selvagens, ou uma tempestade que se aproximasse...

Mas eu não desisti! A ideia não foi abandonada... será apenas readequada às reais circunstâncias do trajeto. Semana que vem estarei lá novamente. Andarei somente com a roupa do corpo e sandálias (tênis, nem pensar!). Prestarei atenção às atrações do caminho e depois voltarei de carro para fotografá-las.

Medo de gente... vê se pode?!
Isso me entristece e me emputece!!!

12 comentários:

Claudia disse...

Realmente. A gente passa a permitir a apropriação da cidade, pois 'damos espaço', legitimando o status, o poder da opressão.
É claro que ninguém quer ser suicida, mas, concordo, ter medo de gente é admitir que são tão desconhecidos quanto o selvagem, o animal. É reduzir o humano à barbárie.

Amanda Pinto disse...

Eu realmente me senti assim quando fui visitar a invasão da "taboquinha" em icoaraci ano passado. Me meteram tanto medo que nem bolsa levei e quando cheguei lá os moradores eram super gente boa e o local, apesar de ter condições precárias de saneamento básico, renderia ótimas fotos.
A que ponto chegamos... não poder registrar nem apreciar lugares e fatos marcantes da cidade por culpa do progresso que obriga os desfavorecidos a roubar, matar... enfim.

Cléoson Barreto disse...

Caro Wagner,
É por essas e outras que já estou trabalhando no meu projeto de sair de Belém. Sei que não existe lugar perfeito, assim como sei que existem lugares, no mínimo, menos ruins que aqui.
Belém já foi cidade em que as pessoas, no final da tarde, colocavam as cadeiras na frente de suas casas para bater papo, etc. Hoje em dia, se colocarem as cadeiras pra fora, fatalmente irão perde-las.
Tenho dois filhos, daqui a 1 mês chega o terceiro, e como é que eu posso pensar em criar essa molecada em um lugar que só se pode ter alguma tranquilidade em condomínios fechados?
Segurança ruim, trânsito caótico,e o pior de tudo: nenhuma perspectiva de melhora em curto ou médio prazo. O que fazer? Não podemos esperar 15, 20 anos pra que as coisas melhorem. Eu, minha esposa e meus filhos vivemos agora. E queremos agora uma melhor qualidade de vida. Como aproveitar Belém sem ter essas necessidades básicas?
Eu estou procurando uma cidade melhor, que me ofereça qualidade de vida, a mim e aos meus. Já larguei um emprego por outro, ganhando um pouco menos, pensando em qualidade de vida. E, do jeito que nossa cidade vai indo, como posso não pensar em sair daqui? Infelizmente, as minhas esperanças estão no final da reserva...
Desculpe pelo desabafo, mas situações como essa que você vivenciou me desanimam cada vez mais.
Um abraço.

Artur Dias disse...

Que tal então fazer como nos antigamentes, quando os exploradores se faziam acompanhar de desenhistas, que registravam a paisagem, os animais, plantas e pessoas? Posso garantir que esse gesto é capaz de atrair a simpatia das pessoas, mais que o uso de uma avançada máquina fotográfica.
Essa aventura me lembrou quando eu morava na Estrada do 40 Horas- Ananindeua: Aos domingos, pegava meu filho, então com dois anos, e o levava a passeio nas invasões existentes nos covões abandonados, às proximidades de casa. Em todas essas ocasiões, os moradores ficavam curiosos conosco, e nos chamavam para conversar, para falar da vida, das dificuldades e de coisas corriqueiras. Estávamos, naqueles momentos, irmanados. Nunca fui agredido ou hostilizado nessas invasões.

Yúdice Andrade disse...

Meu amigo, comungo de teu sentimento, mesmo sendo uma das pessoas que mais de uma vez te chamou a atenção para esses perigos. Porque o problema não é a câmera, e sim o que um ladrão mais afoito pode fazer contigo, por causa dela.
Tenho lá os meus projetos de fotografar a cidade, mas nunca os levei adiante porque preciso de uma equipe: gente que possa servir de proteção enquanto alguém fotografa. É triste, mas é isso.
Pega um caderno e uma caneta, anora tudo o que vires e depois faz as imagens. Estou curiosíssimo pelo que vais descobrir.

Carlos Barretto  disse...

Extraordinário post, que retrata uma entre as inúmeras frustrações que os belenenses (e por que não os brasileiros) estão submetidos.
Vivemos agora, mais acuados que talvez nos tempos da ditadura. Só mudam os personagens. Os do mal, é claro.

Belenâmbulo disse...

Prezados todos,
Agradeço pelos comentários. Ontem eu realmente fiquei muito chateado com o malogro de meu passeio. Recebi tudo o que vocês escreveram como manifestações de apoio, e me tranquilizei.
É bom saber que apesar de tantas agruras, ainda existem pessoas que pensam parecido comigo, mesmo que os lunáticos sejamos nós (considerando as taxas de fecundidade, acho que somos a minoria fadada à extinção mesmo...).

Para mim, o que foi mais frustrante foi ter de abortar um plano que eu cumpria de coração aberto. Gosto de conhecer lugares e, principalmente, pessoas. Embora tomando os devidos cuidados, faço o possível para não ter medo de gente, nem assumir uma postura arrogante, como a do "sujeito" que estuda os "objetos", para então dizer-lhes o que é certo ou errado.

Como disse no texto, não desisti.

Tanta beleza acontece por aí... não aparece em jornais nem TV, e se perde. Que se registre aqui no Belenâmbulo, e fique vagando eternamente pelos servidores do Google!

Abraços

Lafayette disse...

Vamos juntos? Quem se habilita?

Talvez de turma dê certo... ou só vamos aumentar a proficiência deles?

Eu topo!

Artur Dias disse...

É só marcar

Belenâmbulo disse...

Lafayette,
Que boa ideia!!!
Vou tuitar e fazer uma postagem convocando o povo.

Lafayette e Artur (e quem mais tiver interesse em caminhar conosco), mandem-me um e-mail para a gente combinar os detalhes.

Abraços, Wagner
belenambulo@yahoo.com.br

. disse...

Acho que os mototaxistas queriam era pegar mais corrida. Te meteram medo e tu caíste.
É que eu acho.
Tô dentro da parada para a próxima caminhada! Mas naa de 9h da manhã, hein!

Belenâmbulo disse...

Waleiska,
Se eles queriam a corrida, todos saíram perdendo... não teve nem corrida, nem caminhada.
Olha, partir depois das nove pode ser muito cansativo!

Abraço