sábado, 27 de novembro de 2010

José Maria, o Chaves do Amendoim

Texto de Anderson Araújo, publicado no Bêbado Gonzo

Como nascem os ícones? Geralmente, nascem do reconhecimento em um pequeno grupo, depois esse apreço se espalha, traduz-se em várias histórias até criar uma aura visível a olho nu, envolvendo uma série de feitos, elevando o sujeito à categoria de mito e mais tarde lenda. Nasce assim um ícone. Foi assim com nosso personagem retrato nesta vez na sessão “Celebridades”. Há 41 anos, desde os 12 dos seus 53 anos de idade, José Maria começou uma empreitada simples para sobreviver e hoje encarna um estranho, simpático e icônico personagem das noites de Belém: o Chaves do Amendoim.


Nas mãos um balde de alumínio especialmente preparado com um microforno para manter o produto torrado e aquecido, José Maria sai da Estrada do 40 Horas, no bairro do Curuçambá, em Ananindeua, nos fins de semana para perambular por Belém, sobretudo, a Belém clássica que vai de São Brás a Terra Firme. De bar em bar, Chaves é figura reconhecida de longe com o bordão criado desde 1996 para chamar atenção dos fregueses: “olha o amendoim uim, uim, uim, uim, uim, uim...”.

José Maria, o Chaves do Amendoim.


Num papo de bar, na Cidade Velha, encontrei Zé Maria mais uma vez caracterizado com o a velha roupa de guerra para simular o personagem mais famoso do mexicano Roberto Gomes Bolaños: bota cano médio, calça no meio das canelas, camisa listrada e um boné do exército cobrindo as orelhas, uma tentativa de se aproximar do gorro usado pelo menino-velho do número 8 da vila de casas do senhor Zenon Barriga.


Nos mais de 40 anos de profissão, Zé viu nascer, perder o brilho e morrer casas de shows e bares lendários de Belém, como “Olê, Olá”, “Gemini”, “Palácio dos Bares” e tantos outros. Testemunhou também o aumento da violência na noite da cidade, embora por sorte tenha apenas sofrido dois assaltos: um, em 1981, no afamado Beco do Relógio do bairro do Jurunas, e outro neste ano para as bandas do bairro do Guamá. “Mas, geralmente, o pessoal me respeita. Não mexe comigo”, garante.


Bom de papo e tino para o marketing pessoal, o Chaves do Amedoim diz que quer uma vida melhor para os dois filhos pequenos que tem, um de nove e outro de 12. “Quero que eles estudem. Essa vida de vendedor é muito sacrificante. A gente anda muito, vira andarilho”, conta. E por andar tanto a missão de vender o petisco torradinho por aí extrapolou os limites de Belém e hoje é quase obrigação de Zé estar onde há os grandes públicos, como no ultimo festival do Carimbó, em Marapanim, e julho e réveillon em Algodoal, a praia oficial dos alternativos e apreciadores de reggae no Pará.


Aliás, Zé conta que foi lá que ganhou de um coronel o boné singular que rendeu o apelido de Chaves. “Ainda tenho guardado em casa. Está velhinho, todo desbotado. Já tem dez anos isso. Ele me deu o boné e eu comecei a usar na praia. Não demoraram dizer que eu era igual o Chaves”, detalha o vendedor. Logo ele percebeu o apelo comercial e incorporou a fantasia no dia a dia: comprou uma bota, uma calça e uma camisa listrada parecida com a usada pelo personagem de TV e começou a vender mais.




Nessa época, Zé Maria já tinha outra marca registrada: o bordão engraçado e sonoro, imitado por bêbados e engraçadinhos de plantão pelas noites belenense. A história começou em 1996, no primeiro “Parafolia”, micareta realizada na época em Mosqueiro. Ele se deslocou com 40 quilos de amendoim para “bamburrar” no carnaval fora de época, naquele julho agitado. Conseguiu se credenciar para vender nas arquibancadas inclusive, o que aumentou as esperanças de tirar um bom trocado.


Porém, logo percebeu que seria bem difícil. Zanzando entre os micareteiross, ainda sem sua roupa de Chaves – que só viria anos depois -, Zé foi até esculachado. “Lembro que um cara, lá, dizia: sai daí, caralho. Sai da frente. Ele queria ver o show e eu oferecia baixinho o amendoim para não atrapalhar”.


Desiludido com o primeiro dia, Zé Maria catou os únicos quatro reais que tinha no bolso e teve uma grande idéia: beber! Era a única coisa que ele podia fazer diante das más perspectivas de vendas. “Pedi para um cara guardar o meu balde com amendoim e pedi uma latinha. Era um real a cerveja na época. Tomei as quatro. Quando já estava bacana, comecei: “olhaaaaaa o amendoim uim, uim, uim, uim, uim, uim, uim, uim...”. As pessoas começaram a achar engraçado, começaram a me chamar para comprar. Até o cara que me esculhambou ficou meu amigo. Naquela noite, eu vendi quatro baldes. No outros dias eu voltei e consegui vender tudo que eu levei. Foi aí que começou a bombar”, disse Zé.


Bem sucedido no que lhe sustenta e mantém sua família, hoje Zé Maria dá até conselhos para quem está começando na função: “tem que ser comunicativo e andar muito. Não dá para ficar sentado, porque assim não vende nada”. Zé de vendedor se tornou figura fácil nas noites belenenses, tratado sempre bem por quem o conhece nem que seja de vista. Não raro posa para fotos e deve ser um dos personagens que mais povoam os álbuns de usuários de Orkut, em Belém.


Chaves do 8.

Dispensando uma boa meia hora do seu suado tempo, Zé Maria se despede da minha mesa com a cordialidade de quem sabe seu lugar no mundo e se reconhece como um vitorioso, podendo olhar de igual para igual para seus clientes. Segue seu trabalho honesto e recompensador muito pela fama conquistada ao longo de quatro décadas. Pela simpatia ou por remeter a uma imagem querida da infância dos fregueses, o Chaves do Amedoim já está no imaginário daqueles que aproveitam as noites de Belém no sagrado exercício de contemplação e relaxamento nos bares da cidade.

Um comentário:

BaDimarcus disse...

Muito boa a matéria!! ¶;D~

Esse cara é velho como a necessidade!
Um clássico. Hehehe.